O
antigo povoado de Vila da Manga iniciou-se no local chamado Fortaleza,
também ponto obrigatório de passagem de boiadas com destino aos
municípios de Icatú e Morros. O lugar era chamado de manga, não por
causa da fruta, mas a uma estreita passagem para gado, uma espécie de
corredor
com paredes de varas que conduz a um rio e que serve para guiar bois.
No dia 13 de dezembro de 1838, os moradores de Vila da Manga (atual
Nina Rodrigues) viram chegar à pequena cidade maranhense um grupo
formado por cerca de 15 vaqueiros, liderados por Raimundo Gomes Vieira, o
"Cara Preta". Gomes dirigiu-se à cadeia no intuito de libertar seu
irmão e outros homens que se encontravam aprisionados para prestar o
serviço militar. Naquela época, era comum as tropas do governo
sequestrarem homens livres para integrar a marinha ou o exército.
Bastava ser pobre, do sexo masculino e ter, preferencialmente, entre 14 e
17 anos de idade. O grupo de Gomes refugiou-se no Piauí, levando armas,
comida e toda a disposição de iniciar uma luta há muito latente na
população do interior. Contudo, antes de partir, deixou um manifesto
endereçado ao prefeito de Vila da Manga, no qual exigia a garantia da
Constituição e a renúncia das principais autoridades locais.
| Antiga Vila da Manga, (atual Nina Rodrigues) |
Eram tempos raivosos, em que a população se sentia oprimida de várias
maneiras. O algodão, principal cultura agrícola do Maranhão, estava em
baixa no mercado internacional. Os impostos e o preço das mercadorias no
comércio interno, no entanto, permaneciam em ascensão. Os coronéis
exploravam os trabalhadores livres, e o chicote continuava a estalar nas
costas dos escravos. Por onde passava, a coluna de Gomes ia
incorporando novos membros. Nesse contexto, Manuel Francisco dos Anjos
uniu-se ao movimento em janeiro de 1839, quando os revoltosos retornaram
ao Maranhão. O modesto fabricante de balaios (cestos feitos da palha de
babaçu e de buriti) era movido por um desejo de vingança – sua esposa e
suas filhas haviam sido violentadas por militares das tropas
legalistas. Assim, o grupo de Gomes ganhou a adesão daquele cujo
apelido, Balaio, os batizaria.
Logo a Balaiada estaria dividida em várias frentes, invadindo cidades
e feitorias dos dois lados do rio Parnaíba, multiplicando-se com o
apoio de vaqueiros, artesãos, desertores das forças armadas, escravos
fugidos e sertanejos humildes. Se na primeira batalha lutaram 200
homens, poucos meses depois, em abril de 1839, 2 mil atacaram a Vila do
Brejo (MA). No Piauí, receberam apoio dos principais municípios do
norte, já que a população enfrentava os mesmos problemas dos
maranhenses, com o agravante de viver sob as ordens de um barão
autoritário, que os governava desde 1823. A idéia da revolta agradava
também aos liberais das camadas médias, como o fazendeiro Lívio Lopes
Castelo Branco. A facção política da qual fazia parte, chamada
Bem-Te-Vi, criticava principalmente a "Lei dos Prefeitos", segundo a
qual os chefes dos municípios eram nomeados pelos presidentes das
províncias e tinham atribuições administrativas e policiais, o que ia
contra os interesses dos proprietários rurais. Dessa maneira, o
movimento tornou-se uma frente ampla e heterogênea.
A primeira grande reunião dos exércitos balaios só aconteceria a
partir do dia 24 de maio de 1839, quando iniciaram o cerco a Caxias.
Após 45 dias, cerca de 6 mil homens das colunas de Raimundo Gomes
Vieira, Lívio Lopes Castelo Branco e Manuel Francisco dos Anjos, entre
outros, adentraram vitoriosas a segunda maior cidade do Maranhão. Os
rebeldes formaram um órgão civil administrativo provisório e um conselho
militar, além de uma comissão para negociar suas reivindicações com o
governo maranhense, sediado em São Luís. Em troca da deposição das
armas, os balaios exigiam, basicamente, cargos administrativos, anistia
aos combatentes, fim do recrutamento e melhor distribuição de terras.
Apesar da euforia com a ocupação de Caxias, naquele momento
manifestaram-se as contradições internas próprias do movimento, já que
os políticos liberais objetivavam apenas tomar o poder dos rivais
conservadores, mantendo a estrutura social que os favorecia. "Entre as
idéias ou os discursos das proclamações e a ação concreta, observa-se
uma grande distância. No decorrer da luta, os balaios atacaram fazendas e
libertaram escravos, ultrapassando, na prática, as reivindicações
liberais".
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| Museu da Balaiada em Caxias |
Os rebeldes foram expulsos de Caxias após pouco mais de um mês e
novamente dividiram-se em colunas, seguindo pelas brenhas das duas
províncias. O grupo liderado pelo Balaio resolveu concentrar esforços
para invadir Oeiras, então capital piauiense. Em 29 de agosto de 1839,
Francisco dos Anjos lançou uma proclamação aos habitantes do Piauí:
"Somos portanto constrangidos a marchar para vossa capital, não como
inimigos devastadores; marchamos como vossos libertadores; vamos vos
tirar de um jugo, que há muito sofreis com pesar". Chegaram a organizar o
Exército Bem-Te-Vi que Guarnece as Forças do Piauí, que contava
inclusive com um estatuto para disciplinar suas colunas.
Temerosas, as autoridades pediram reforços a Rio de Janeiro, Ceará e Bahia, que enviaram armas, soldados e equipamentos. Diante da impossibilidade de invadir Oeiras, o grupo do Balaio retornou ao Maranhão, arregimentando forças para a segunda invasão de Caxias, em outubro de 1839. O momento era de desgaste e baixas significativas: nessa investida, Francisco dos Anjos morreu baleado. Os rebeldes conseguiram retomar a cidade, mas foram mais uma vez expulsos pouco depois. A essa altura, percebendo que os objetivos da revolta estavam longe de ser consumados, Lívio Lopes Castelo Branco desacreditou do movimento e fugiu.
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| Armas usadas no período da Guerra |
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| Cadeia Publica do Século-XIX, de Itapecuru-Mirim, onde negro Cosme esteve preso |
Em junho de 1840, os rebeldes que sobreviveram à luta de Caxias
juntaram-se ao numeroso grupo de escravos liderados por Cosme Bento das
Chagas, na região de Codó (MA). Desde 1830, bem antes da eclosão da
Balaiada, Chagas, ou Negro Cosme, como era mais conhecido, comandava a
luta contra o regime de escravidão, reunindo negros fugitivos e
invadindo fazendas para libertar os que ainda estavam escravizados. Em
seu quilombo principal, o maior da história do Maranhão – situado em
Lagoa Amarela -, o Negro Cosme, que era alfabetizado, chegou a inaugurar
uma escola de primeiras letras. A união dos aquilombados com os balaios
levou pânico aos coronéis e à ordem escravista brasileira. Com isso, o
Negro Cosme e seu grupo de cerca de 3 mil homens tornaram-se o inimigo
principal do duque de Caxias.
Quando dom Pedro II assumiu o poder e decretou anistia aos rebeldes, em agosto de 1840, surgiu nova cisão no movimento balaio, já que Gomes e outros líderes a aceitaram, mas Chagas e seu pelotão de escravos não tiveram alternativa a não ser continuar lutando. Em janeiro de 1841, os governos do Piauí e do Maranhão anunciaram a "pacificação" de suas províncias. No mês seguinte, Cosme Bento das Chagas enfrentou sua última peleja, quando foi ferido e preso. Condenado à morte, em setembro de 1842 foi levado à forca, em praça pública, no município de Itapecuru- Mirim (MA).






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